Professores aprovados em concurso são considerados inaptos por ansiedade

Professores aprovados em concurso são considerados inaptos por ansiedade

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Lucia*, 34, tinha o sonho de ser professora e viu a oportunidade no concurso para a rede pública municipal de São Paulo, realizado no dia 8 de janeiro de 2023. Ela se preparou, foi aprovada na prova e nomeada no Diário Oficial do município em fevereiro de 2024.

Tudo se encaminhava bem até o início deste mês, quando recebeu o resultado de seu exame médico admissional: foi considerada inapta para a função por ter ansiedade.

Lucia faz acompanhamento psiquiátrico e tratamento com oxalato de escitalopram, um medicamento para tratar depressão e ansiedade. A Prefeitura de São Paulo, no entanto, considera os professores um dos grupos de risco para transtornos mentais e comportamentais, já que estas são as principais causas de afastamento do trabalho. Por isso, mesmo uma “psicopatologia leve com tratamento adequado” é uma condição que pode levar um candidato a ser considerado inapto para a função.

Fiquei frustrada quando vi o resultado. Me culpei por ter esse quadro psiquiátrico. Era meu sonho dar aulas, me preparei a vida toda para isso. Vários amigos me disseram que não deveria me sentir assim, porque era psicofobia. Não escolhi ter essa condição. – Lucia

Os exames admissionais foram feitos por uma empresa terceirizada, a Qualilog SSO Serviços Auxiliares Administrativos, que segue os protocolos técnicos da Cogess (Coordenação de Gestão de Saúde do Servidor), órgão responsável pelas perícias médicas de servidores públicos municipais e que homologa esses laudos.

O documento orienta que candidatos com sinais e sintomas de transtornos mentais ou história clínica pregressa de tratamento psiquiátrico devem ser encaminhados para avaliação de um médico perito especialista. Foi o que aconteceu com Lucia.

“Falei com o psiquiatra que me acompanha e ele me deu um laudo, informando que sou apta e que não tenho nenhum problema para ocupar o cargo. Mas, novamente, o médico não quis ver a documentação nem meus exames de sangue. Me perguntou qual a previsão de alta para a ansiedade e me dispensou depois de uma consulta de dez minutos”, relata.

Hoje, ela cumpre aviso prévio em seu trabalho, já que se demitiu para assumir o cargo na rede municipal. “Já tínhamos sido alocados, eu já sabia qual escola daria aula, só faltava passar pelo exame médico. Como não tenho comorbidades, nem me preocupei com isso e pedi demissão”, conta.

Ela começou a se angustiar com o resultado ao ver colegas que também passaram no concurso assumindo o posto.

Me preocupei se poderia ter relação com um câncer que tive em 2022. No exame admissional, levei PET-CT que fiz em janeiro, mostrando que estava em remissão. A médica nem quis olhar. Apenas me perguntou se eu tomava algum remédio e relatei o remédio para ansiedade. – Lucia

Lucia recorreu contra a decisão e aguarda o resultado do processo administrativo.

Dezenas de professores aguardam reconsideração do processo. A reportagem de VivaBem teve acesso a laudos e conversou com ao menos sete professores que na última semana tiveram exames admissionais reprovados por questões ligadas à saúde mental —de pessoas com “humor levemente ansioso” a depressão pós-parto.

José*, 50, foi diagnosticado com TEA (transtorno do espectro autista) há três anos. Na mesma época, decidiu correr atrás de um sonho de vida e dar aulas. Realizou concursos do estado e do município.

Como PCD, ele passou por uma perícia adicional para atestar compatibilidade com o cargo. Mesmo com resultado positivo, foi considerado inapto. No laudo, a perícia aponta que ele faz acompanhamento psiquiátrico e alega “prejuízo para relações interpessoais”.

É uma situação estranha, pois passei também no concurso do estado de São Paulo e também fiz perícia, e no estado recebi o apto. O que mais me dói é a prefeitura falar em acolhimento, em cuidar das nossas crianças e ignorar que, apesar de eu ser autista, posso contribuir muito nesse mesmo aspecto. É como se minha vida fosse resumida por uma sigla no meu nome, que é PCD. – José

Possíveis recaídas também são argumentos para reprovação

Mariana*, 26, fez o concurso em busca de estabilidade e plano de carreira, mas também por uma missão. Com formação básica em escola pública, ela gostaria de retribuir o trabalho de bons professores que teve na rede. Aprovada na prova, ela foi aconselhada por colegas a não mencionar nos exames de admissão um tratamento para ansiedade.

Foi meu primeiro concurso. [Meus colegas] me acharam ingênua por ter sido honesta por minha condição de saúde. É de conhecimento na ‘rádio peão’ que você não pode falar disso. Mas é o que sempre brinco: se você não tem ansiedade, ou você não exerce sua profissão direito ou não averiguou corretamente. É uma questão inerente à sociedade. – Mariana

No seu caso, ela iniciou o tratamento após algumas crises de ansiedade em 2019. “Estava passando por um momento turbulento, rotina exaustiva de trabalhar e conciliar com a faculdade. Sempre fui uma pessoa ansiosa, mas chegou a um ponto de somatização com sintomas físicos como náuseas e dificuldade de concentração. Foi quando procurei ajuda médica.”

FONTE: https://www.uol.com.br/vivabem/

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