Como debater (e combater) o neonazismo em sala de aula?

Como debater (e combater) o neonazismo em sala de aula?

Por Camila Cecílio, da Nova Escola

Explorar recursos audiovisuais e documentos históricos e partir do que os alunos já sabem sobre o assunto ou de uma situação-problema ajudam a sensibilizar e conscientizar a turma

Nos últimos anos, a extrema direita vem crescendo a passos largos em todo o mundo. No Brasil, não tem sido diferente. De 2015 a maio de 2021, o número de células neonazistas saltou de 75 para 530, segundo o monitoramento realizado pela antropóloga Adriana Dias, pioneira nas pesquisas sobre neonazismo e a ascensão dessa tendência política no país. 

Em 2022, a quantidade de grupos extremistas espalhados por todas as regiões, em especial nos estados de São Paulo e na região Sul, mais que dobrou, chegando a 1117. Os efeitos desse fenômeno são sentidos dentro e fora das escolas e levantam a questão: como abordar o neonazismo na sala de aula?  

A presença de elementos de inspiração nazista esteve por trás de diversas situações de violência registradas em escolas brasileiras, principalmente nos últimos meses de 2022, após as eleições presidenciais. Exemplos disso são casos de invasão, destruição e vandalismo e pichações com frases e símbolos nazistas em colégios, além de ameaças e agressões físicas a estudantes e ataques a tiros. Isso tudo alinhado à ideologia do regime extremista de Adolf Hitler, mas com uma nova roupagem.

O que é o neonazismo e quais as suas principais características

Embora signifique “novo nazismo”, o neonazismo não é exatamente novo, já que surgiu logo após a Segunda Guerra Mundial, em meados da década de 1940.  

O que há de novo é o modo como ele se apresenta de tempos em tempos, segundo Elisa Greenhalgh Vilalta, professora de História dos Anos Finais do Fundamental na rede municipal de Maceió (AL) e autora e mentora de planos de aula da NOVA ESCOLA. “O neonazismo não é um nazismo atenuado ou um nazismo ‘light’, como alguns podem achar. O que o neonazismo faz é resgatar características e símbolos do nazismo e dar a eles uma nova roupa para justamente ficar sintonizado com a sociedade que quer atingir”, explica.  

Historiadores afirmam que, logo após a Segunda Guerra, alas radicais de direita, formadas sobretudo por nazistas que sobreviveram, começaram a se mobilizar por toda a Europa, formando grupos clandestinos. Não demorou muito para que eles criassem oficialmente partidos de extrema-direita com uma linguagem mais ampla, mas sem dar o nome de nazismo, para não chamar atenção – afinal, a Alemanha proibiu e criminalizou o nazismo logo após o confronto mundial. 

Mesmo após quase oito décadas do fim da guerra e mais de 6 milhões de pessoas assassinadas, ainda existem ideias relacionadas à existência de uma “raça pura ariana”, antissemitismo, racismo, nacionalismo e anticomunismo.

Mas, nos dias atuais, além de judeus, negros, homossexuais, pessoas com deficiência, ciganos e comunistas, feministas, indígenas, imigrantes e nordestinos (no caso do neonazismo brasileiro, de acordo com Adriana Dias, em Observando o ódio) são igualmente alvos de extremistas. “Eles também são contra partidos de esquerda, negam o Holocausto [a perseguição sistemática e o assassinato de 6 milhões de judeus pelo regime nazista alemão], exaltam a figura de Hitler e são antidemocráticos”, acrescenta a professora.

Fatores que explicam o crescimento do neonazismo no país

Embora não haja uma resposta exata sobre o que leva à perpetuação dessas ideias, a naturalização de discursos autoritários e de ódio ao longo dos anos pode estar por trás do crescimento desses pensamentos entre os jovens.

Oldimar Cardoso, especialista em Usos Públicos da História, que já atuou como assessor pedagógico do Time de Autores da NOVA ESCOLA, afirma que um dos fatores determinantes para a ascensão do neonazismo no Brasil foi a presença maciça de movimentos nazifascistas nas últimas décadas e o fato de o país “ter fingido que eles não existiam”. 

“Se, no passado, tivéssemos feito como a Alemanha, que agiu contra os nazistas na época [identificando-os e punindo-os], teríamos banido muitos desses grupos. Mas, como isso não aconteceu, eles estão por aí e vão continuar aparecendo até que uma medida, de fato, seja tomada”, diz. 

Hoje, a apologia ao nazismo se enquadra na Lei 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. A pena máxima prevista é reclusão de dois a cinco anos e multa. 

Oldimar afirma que existe a “fantasia” de que o Brasil é pacífico, ignorando-se quatro séculos de escravidão. “O Brasil é um terreno fértil para o fascismo por ter esse passado violento e elitista, e esta deveria ser uma discussão central para entender esse momento”, ressalta.  

Além disso, a falta de informações e de embasamento teórico sobre o que foi o nazismo e suas consequências devastadoras para a humanidade tornam o atual cenário ainda mais desafiador.

É preciso abordar o tema sempre que necessário

Diante desses fatos, como abordar um tema tão delicado com os estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental? Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o nazismo e o fascismo, regimes totalitários intrinsecamente interligados, estão previstos na habilidade EF09HI13: “Descrever e contextualizar os processos da emergência do fascismo e do nazismo, a consolidação dos estados totalitários e as práticas de extermínio (como o Holocausto)”.

Embora a temática esteja prevista para turmas de 9º ano, ela também pode ser tratada nos demais anos dessa etapa se houver necessidade. É isso que defende Guilherme Barboza de Fraga, professor de História dos Anos Finais do Fundamental na rede municipal de Canoas (RS) e integrante do Time de Formadores da NOVA ESCOLA. 

“Muitas vezes é necessário trabalhar além do 9º ano, porque é um assunto recorrente, do qual os alunos ouvem falar, até como algo positivo ou não tão ruim. Por isso é necessário trazer essa temática de acordo com a necessidade, ainda mais levando em conta que muitos nasceram distantes desse tipo de regime, não sabem o que é uma ditadura e às vezes acabam ouvindo algo e até simpatizando [com essas ideias]”, comenta.

Discussões a partir da realidade dos alunos

Em meados do ano passado, Guilherme, que estuda questões ligadas a direitos humanos, ditaduras e governos autoritários, precisou discutir o tema com suas turmas de 8º ano. “Em várias classes começaram a aparecer suásticas nazistas desenhadas nas cadeiras e nas paredes, e vimos que precisávamos tomar providências”, lembra.

 Em seguida, o professor se reuniu com os demais educadores e com a coordenação pedagógica e propôs uma conversa inicial com os estudantes sobre o que foi o nazismo. 

“A primeira coisa que fiz foi desenhar a suástica no quadro, e imediatamente ouvi de uma aluna: ‘Professor, o senhor não pode desenhar isso’. Então perguntei por que aquilo era errado”, conta. Assim, partiu de questões trazidas pelos próprios estudantes. “Alguns professores têm medo de levar o assunto para fora do contexto do 9º ano, porque esses alunos já têm uma base, mas muitas vezes é sim imprescindível antecipá-lo. Foi uma aula com 100% da atenção da turma”, reforça.

Formação humanista é essencial para engajar os alunos

Para sensibilizar os estudantes, Guilherme embasou sua aula na primeira competência específica de Ciências Humanas da BNCC: “Compreender a si e ao outro como identidades diferentes, de forma a exercitar o respeito à diferença em uma sociedade plural e promover os direitos humanos”. Com isso, além de explicar o que foi o regime nazista e como ele se dá na atualidade, o professor enfatizou a perseguição e o extermínio de grupos sociais.


“O objetivo foi mostrar para eles que não podemos concordar com a ideia de que há pessoas que não podem permanecer vivas porque nasceram em um determinado grupo social. Assim, eles puderam compreender que a suástica não era só um símbolo do nazismo, mas também do que ele idolatra”, explica o professor. 

Oldimar argumenta que é necessária uma base humanista para falar sobre o tema de modo a sensibilizar os estudantes. “Não adianta, por exemplo, discutir fascismo com pessoas que não têm o mínimo de formação humanista, porque pode ser que elas não vejam um problema real nisso. Daí a importância das humanidades, que, lamentavelmente, vem sendo reduzidas dos currículos.”

Competências e habilidades socioemocionais como aliadas 

Nesse sentido, as competências socioemocionais podem – e devem – ser aliadas não só dos professores, mas de toda a escola. “Uma vez que grupos neonazistas trazem como características racismo, homofobia, misoginia, ódio aos migrantes e antissemitismo, por exemplo, a escola poderia realizar um projeto para trabalhar valores como ética, justiça, respeito, responsabilidade, amizade, honestidade, solidariedade, amor, confiança, compreensão, paz e fraternidade”, sugere Elisa. 

Uma dica é a elaboração de um programa de acolhida aos alunos que venham de outras escolas ou outros estados com “padrinhos” e “madrinhas”. Ou seja, alguns alunos mais antigos na escola ficariam durante algum tempo responsáveis por aqueles que acabaram de chegar.

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